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Domingo, 16 de Marco de 2025

Mosaico: diálogo e afetos

“Ó abre alas de resistência e ancestralidade afro-indígena”

Carnaval é um ato político e cultural

Folha do Café
Por Folha do Café
“Ó abre alas de resistência e ancestralidade afro-indígena”
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O Carnaval chega como um grande sopro de vida, cores, batuques e corpos em movimento. Nas ruas, nos blocos e na avenida, a alegria se espalha, transformando cidades inteiras em cenários de celebração. Mas, para além do brilho das fantasias e da vibração dos tambores, o Carnaval é um reflexo da própria sociedade brasileira – suas histórias, lutas, contradições e potências.

Se voltarmos no tempo, veremos que o Carnaval já teve muitas faces. Das festas luxuosas da elite carioca nos salões do Copacabana Palace, cheio de glamour, até com sua fase atual, cheio de influencers, aos bailes dos clubes de subúrbio e do interior pelo Brasil afora, essa festa sempre foi um espelho das dinâmicas sociais do país. O desfile das escolas de samba, que hoje impressiona pelo luxo e pela tecnologia, nasceu nos morros e nas periferias, fruto da criatividade e da resistência de quem, com pouco, faz muito. Nos barracões das escolas de samba, são tecidas histórias de identidade, pertencimento e luta.

Seguindo falando nesta viagem no tempo dos carnavais de outrora para os de hoje, precisamos falar de duas coisas que mudaram radicalmente, duas marcas registradas: as marchinhas e as fantasias. Evoluímos como sociedade e muita coisa foi repensada, revisitada, reinterpretada. Certas coisas não cabem mais no nosso cotidiano e mesmo nesta época. Usar certas fantasias somente servem para desrespeitar e reproduzir preconceitos como se fantasiar de indígena, cigano, árabe, Pretos Velhos, entre tantas outras. São expressões carregadas de deboche de representações culturais, étnicas e religiosas que hoje, não têm mais graça. Assim como algumas marchinhas que expressavam escárnio, deboche, sobre sexualidade e características étnicas como cor da pele e tipo de cabelo.

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E se há algo que o Carnaval movimenta além das paixões, são as economias locais. No Rio de Janeiro, em São Paulo, Salvador e Recife, grandes expoentes da festa da carne, a festa gera milhares de empregos diretos e indiretos, impulsionando desde a costureira que borda a fantasia ao ambulante que vende sua cerveja gelada na esquina. O Carnaval não é apenas entretenimento; é fonte de renda, é sustento, é política econômica viva.

Mas, mais do que isso, o Carnaval é um ato político e cultural. Herdeiro direto das tradições afro-diaspóricas, ele é um espaço de reexistência, onde os corpos pretos que a história tentou apagar se fazem presentes em sua força e exuberância. Os enredos das escolas de samba, com suas pedagogias da resistência, contam histórias que nem sempre foram contadas nos livros didáticos. Se foram, houve mudanças estratégicas dominadoras ditatoriais. Só que hoje, sabemos que muitas histórias não foram contadas. Histórias nos enredos que falam sobre a riqueza das culturas africanas e indígenas, questionam violências históricas e resgatam narrativas silenciadas. Ao levar temas afro e indígenas para a avenida, o Carnaval através dos desfiles das escolas de samba desafia o racismo estrutural que insiste em segregar, desumanizar e excluir.

E, paradoxalmente, essa mesma segregação se expressa na divisão entre camarotes e a avenida. De um lado, a elite assiste confortavelmente, muitas vezes sem conhecer a história que desfila diante de seus olhos. Do outro, a comunidade que construiu a evolução em seus ensaios, que confeccionou cada fantasia, cada adereço, cada carro alegórico, pisa o asfalto com orgulho, sabendo que sua arte e sua existência são o verdadeiro espetáculo. O Carnaval reflete, em um só tempo, as desigualdades sociais e a potência das comunidades que fazem dessa festa uma das maiores expressões culturais do mundo.

É nesse espaço de contrastes que o Carnaval se mantém como um território de liberdade. Um momento em que todas as pessoas podem ser quem são – sem amarras, sem rótulos, sem medo. Na avenida ou nos blocos, não há padrão que defina quem pode ou não brilhar. É a festa onde corpos dissidentes, sejam pretos, LGBTQIAPN+, indígenas, gordos, magros, com deficiência, encontram um lugar de celebração e pertencimento. No Carnaval, cada um veste a fantasia que quiser e se apresenta ao mundo como deseja.

E assim, entre o sagrado e o profano, o Carnaval segue pulsando, nos lembrando que sua essência não está apenas na festa, mas na luta. Porque, no fim das contas, celebrar o Carnaval é celebrar a vida em todas as suas contradições, potências e possibilidades.

FONTE/CRÉDITOS: Por: Dr. Júlio Cesar Rodrigues
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