Há uma delicadeza quase misteriosa nos encontros que a vida nos oferece. Eles chegam sem pedir licença, atravessam nossos caminhos e, quando percebemos, já deixaram marcas imensas. Às vezes suaves, às vezes rasgantes, sempre transformadoras. Encontrar alguém é, no fundo, encontrar uma parte de nós que ainda não tinha nome, forma ou coragem pra existir. Nem todos os encontros são bonitos. Nem todos são permanentes. Alguns nascem intensos e morrem sem despedida; outros começam furtivos, e surpreendem pela verdade que revelam. E há aqueles que chegam como promessa e partem como lição. Como canta a Legião Urbana em Por Enquanto:
“Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que o ‘pra sempre’ sempre acaba”
Estes versos são quase um lembrete gentil de que o tempo não falha: ele transforma. E, ao transformar, nos mostra que os encontros, mesmo os que terminam, continuam vivendo em nós. A vida é transitória, sim, mas as inscrições que ela faz na alma permanecem.
Talvez por isso a maior arte seja o encontro consigo mesmo. Porque é através dos outros que nos vemos, mas é dentro que nos encontramos. Nem todo olhar é espelho; nem toda identificação é leve. Algumas doem porque revelam aquilo que tentamos esconder até de nós. Nomear sentimentos, acolher o que nos atravessa, recolher nossos pedaços... tudo isso exige coragem. Exige romper com personagens que criamos para caber nas expectativas alheias. Exige abandonar as amarras que nos prendem a ideias antigas sobre quem deveríamos ser. Exige nos libertarmos para, enfim, sermos quem somos.
É a viagem mais complexa: a que fazemos rumo ao centro de nós. E aí eu me lembro da canção da Egotrip, “Viagem ao fundo do ego”, que sempre me atravessou pela precisão com que fala desse mergulho:
“Há um lugar místico em mim
Algo assim bem escondido
Um planeta inexplorado
Um horizonte perdido”
Todos nós carregamos esse território secreto, esse pedaço de alma que ainda não foi visto por nós mesmos. Um lugar que desconhecemos, ou que achamos que conhecemos. O encontro com esse outro em nós é uma travessia delicada, porque ele guarda medos, sombras, potências e versões nossas que não ousamos tocar. Não é um lugar domesticado: é um lugar vivo. E exige que sejamos viajantes, mesmo inexperientes, como continua a canção:
“Explorador sem experiência
Marinheiro de primeira viagem
Embarquei de peito aberto
Levando só a coragem
Coragem pra enfrentar
Frente a frente eu comigo
Como se enfrenta um irmão
No exército inimigo
Coragem pra encarar
Frente a frente eu no espelho
Como se encontra um irmão
Que lhe nega um conselho”
Esses versos são quase um rito de passagem. Falam de uma coragem íntima, não a dos grandes feitos, mas a de olhar para si sem máscaras. A coragem de reconhecer o amigo e o inimigo dentro do mesmo espelho. De admitir que a jornada do autoconhecimento não pede perfeição, apenas presença.
E aqui eu retorno ao início: a arte do encontro. Encontrar o outro é tão importante quanto se encontrar. Porque é no movimento de abrir espaço para o outro que também abrimos espaço para nós. É nos vínculos, nos que duram, nos que se desfazem, nos que deixam cicatrizes e brilho, que vamos nos moldando. Celebrar os encontros é celebrar o que nos constrói, o que nos acompanha, o que nos ensina a ser mais honestos conosco.
No fim, a arte do encontro é, sobretudo, a difícil e bela arte de ser quem somos. E, entre chegadas e partidas, aprendemos que ninguém passa por nós impunemente: levamos marcas, aprendizados, afetos e retalhos que nos fazem mais inteiros. A vida segue, e nós seguimos, sempre reencontrando o mundo, o outro e, sobretudo, a nós mesmos.
Por Dr. Júlio Cesar Rodrigues

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