Há trajetórias que não se explicam apenas por dados, cargos ou estatísticas. Há existências que se erguem com a força silenciosa das pedras antigas e com a delicadeza das mãos que cuidam. Martha Rocha é dessas figuras raras que atravessam o tempo com um brilho próprio, com a gravidade de quem jamais negociou seus princípios e a leveza de quem carrega consigo a esperança como ferramenta política. Em julho de 2025, quando o Rio de Janeiro se curva diante de sua própria reinvenção, o nome de Martha Rocha resplandece não como um nome a mais entre os muitos da cena pública, mas como símbolo e síntese de uma nova elite política. Uma elite não formada pelos dutos da ambição desmedida, mas pelas veias pulsantes do serviço público, da escuta atenta, da justiça social e da delicadeza que habita os que jamais se renderam.
Filha da Penha, filha do povo, filha do tempo em que o sonho era mais difícil e mais necessário, Martha Rocha ergueu-se com a altivez dos que conhecem o chão que pisam. Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com formações e especializações que jamais a distanciaram da rua, da dor e da luta, ela mergulhou cedo no universo áspero da segurança pública. Quando ingressou na Polícia Civil nos anos oitenta, não trazia consigo nem apadrinhamento nem ilusões, apenas a convicção inabalável de que era possível fazer diferente. E fez. Como delegada, como mulher em uma estrutura violentamente masculina, como pioneira da sensibilidade em um território de endurecimento institucional, Martha deixou marcas profundas.
Em 2011, tornou-se a primeira mulher a comandar a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. E não o fez para figurar em galeria de fotos oficiais, mas para transformar, para criar pontes entre a autoridade e o cuidado, entre a legalidade e a justiça. Sob sua liderança, o conceito de segurança cidadã ganhou corpo, voz, rosto. Ela não quis uma polícia temida, mas uma polícia confiável. Não quis as estatísticas da repressão, mas os gestos da prevenção. Multiplicaram-se as delegacias especializadas, ampliaram-se os canais de escuta para mulheres, e a dignidade voltou a frequentar os corredores das instituições públicas.
Mas Martha Rocha não se limita à memória institucional da segurança. Seu nome ecoa também, com vigor e doçura, na história da luta pelos direitos das mulheres no Rio de Janeiro. À frente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, o Cedim, ela construiu políticas com raízes e com flores, com firmeza e com afeto. Compreendeu que não basta punir os agressores. É preciso transformar a cultura, os afetos, as estruturas que silenciam e matam. Fez do Cedim um farol no tempo do apagamento, um chão fértil onde as vozes femininas puderam brotar com liberdade.
Quando ingressou na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 2015, Martha Rocha já carregava consigo uma biografia repleta de realizações e cicatrizes. Mas ali, no parlamento fluminense, fez ainda mais. Presente em comissões decisivas, relatora de CPIs fundamentais, propositora de leis que buscam justiça social em cada cláusula, ela se tornou a consciência crítica da casa. Seu trabalho pela valorização dos servidores públicos é capítulo central de sua vida pública. Não por ideologia vazia, mas por compreensão existencial. Sabe que são essas mulheres e homens, professores, assistentes sociais, técnicos, agentes, que garantem que o Estado não seja uma miragem, mas uma presença.
Martha Rocha acredita no Estado de Bem-Estar Social como quem acredita em coisas sagradas. Para ela, saúde, educação, segurança, assistência e cultura não são favores nem projetos, são direitos. Não se pode admitir que alguém adoeça à espera de um leito, que uma criança cresça à margem de uma escola decente, que uma mulher apanhe em silêncio, que uma população sobreviva ao abandono. Por isso, cada passo seu é uma reafirmação ética de que o mundo pode ser menos cruel e que a política pode ser um ato de amor coletivo.
Em 2025, como secretária municipal de Assistência Social da cidade do Rio de Janeiro, Martha voltou à linha de frente. Deixou temporariamente o mandato legislativo não por recuo, mas por mergulho. Assumiu a pasta com a mesma serenidade que sempre a guiou, com o olhar voltado aos invisíveis, com mãos estendidas aos que estão à margem, com a lucidez de quem sabe que as políticas sociais são a fronteira entre a cidadania e a barbárie. Em poucos meses, implementou ações de mobilidade, cuidou dos servidores com a promessa de um plano de carreira justo, ouviu, percorreu os territórios mais difíceis e não se intimidou. Seu trabalho, visível e sensível, é um elogio à compaixão pública, à técnica com alma, à gestão que não se afasta das dores concretas das pessoas reais.
Há quem ocupe o poder para mostrar força. Martha Rocha o ocupa para mostrar serviço. Seu nome não está vinculado a escândalos, nem a jogos de poder, nem a pactos obscuros. Sua força vem de outra origem. Vem da limpidez de sua trajetória, da seriedade com que trata o outro, da coerência entre palavra e gesto, da sua capacidade de ser ponte, não muro. Em um estado marcado por elites políticas que tantas vezes se confundem com projetos pessoais, Martha Rocha é a lembrança de que é possível haver outra elite, a elite ética, a elite pública, a elite da decência.
A sua presença na política do Rio de Janeiro, hoje, é uma dádiva e uma esperança. Ela nos lembra que a política não precisa ser cínica, nem técnica demais, nem sentimentalista. Pode ser profundamente humana, radicalmente comprometida e radicalmente bela. Martha Rocha é o corpo político de uma ideia antiga e sempre nova, a ideia de que servir ao público é nobreza, de que proteger os mais frágeis é missão, de que construir um país menos injusto é tarefa de cada dia.
Em julho de 2025, quando o futuro do Rio se redesenha entre escombros e desejos, é justo e necessário dizer com clareza: Martha Rocha é uma das lideranças mais importantes de sua geração. Sua vida é uma declaração pública de que a política ainda pode ser bonita, de que a coragem pode andar de mãos dadas com a ternura, e de que o poder, quando atravessado pela ética, é capaz de iluminar a cidade inteira.
* Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ
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