Feito para quem gosta de formar opinião!

Domingo, 16 de Marco de 2025

Mosaico: diálogo e afetos

E daí? Eu falo o que eu quiser!

Por Dr. Julio Cesar Rodrigues

Folha do Café
Por Folha do Café
E daí? Eu falo o que eu quiser!
Divulgação
IMPRIMIR
Espaço para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.

“Eu vejo o futuro repetir o passado”. O verso da música “O Tempo não para” de Arnaldo Brandão e Cazuza ecoa como um alerta que atravessa o tempo. Quantas vezes, na arrogância de nossa liberdade de expressão, esquecemos que o que dizemos carrega um peso que pode impactar vidas? A promessa da liberdade de falar o que se quer não garante imunidade às consequências. No cenário atual de polarização política (que já se arrasta há muitos anos) e discursos de ódio, estamos testemunhando o futuro repetir os erros do passado, com consequências devastadoras para indivíduos e comunidades.

Qual o contra-ponto disso? O hoje! Estamos vivendo no hoje o que já vivemos no passado com um complicador: não aprendemos, alguns de nós, com estes erros. Por isso a lembrança do verso da canção ser tão pertinente: “Eu vejo o futuro repetir o passado” e no meio do caminho está o presente. Demonstrações claras de despeito à vida do outro que é diferente do eixo narcísico, como costumo falar, que é a imagem do poder supremacista: homem branco heterossexual e que se diz cristão e, por causa disso, autointitulado salvador e reformador, além de condenador do outro que dele difere. Seja mulher, negro, indígena, não-heterossexual, não-cristão como ele. Mas e aqueles que não são como este eixo narcísico e seguem seus valores? Bom, esta é uma questão bastante delicada que tem a ver com a colonização de pensamentos e carências afetivas diversas. Uma espécie de psicose coletiva.

Não é raro nos depararmos com casos de fake news, discursos discriminatórios ou ofensas que transcendem o mundo virtual e geram violências reais. O que começa com um post ou um comentário mal-intencionado pode terminar com danos irreversíveis. Quantas pessoas já foram moralmente destruídas, fisicamente agredidas ou levadas ao suicídio por causa de palavras carregadas de ódio? A história está cheia de exemplos de como discursos inflamados, pautados por preconceitos e ideologias extremistas, podem devastar sociedades inteiras. E o ciclo parece nunca acabar. As redes sociais deram vazão a este tipo de comportamento e sem o crivo moral, qualquer um fala o que quiser e contra quem quiser porque está amparado no que seus influenciadores atestam. Espelhos de Narciso, né? Paixões!

Publicidade

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido pela Constituição Brasileira e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas até onde vai esse direito quando ele é usado para oprimir, humilhar ou incitar violência? Como eu costumo dizer, “o direito de um termina onde começa o do outro”, uma máxima do Direito, essa frase não é de minha autoria, mas cabe em todo e qualquer momento. Em um mundo cada vez mais conectado, é essencial reconhecer que o poder das palavras é proporcional à responsabilidade de quem as profere. Por isso dizemos: crimes de ódio. Imaginemos agora sem os filtros da Meta, que foram implementados por uma questão moral. Cada um pode ofender a quem quiser, não apenas individualmente, mas coletivamente, de forma mais aberta e irresponsável. 

Precisamos pensar nos nossos afetos. Nos afetos que carregam nossas palavras, faladas e escritas. Precisamos usar os afetos positivos para promover o bem-estar comum, coletivo. A harmonia para todos. Não devemos fazer valer nosso direito a ter opinião como uma sentença para a infelicidade alheia. Isto é uma questão de ego: querer machucar o outro. 

O que observamos hoje é um movimento crescente de discursos de ódio, muitas vezes mascarados de opinião. Esses discursos têm como alvo preferencial grupos já historicamente minorizados: mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, negras, migrantes de qualquer região, de dentro ou de fora do país, pessoas de religiões de matrizes africanas. Basta lembrar do quanto se propaga de ódio contra os nordestinos brasileiros, por exemplo. São tratados muitas vezes com mais ódio por outros brasileiros que os refugiados que, aliás, merecem todo acolhimento. Esses ataques não surgem no vazio; são frutos de uma estrutura colonialista e de um moralismo conservador que encontra terreno fértil em uma extrema-direita global fortalecida. A recente volta de Donald Trump ao poder nos EUA, por exemplo, alimenta um ambiente onde a intolerância ganha respaldo, influenciando até países como o Brasil, cuja história é marcada por um racismo estrutural arraigado. E não somente o racismo estrutural, mas toda forma estruturada de preconceito, discriminação e intolerância, herança de um passado colonizador. Aliás, para além da tolerância, o que se precisa ter é respeito.

E qual é o papel das redes sociais nesse contexto? Essas plataformas se tornaram palcos para a proliferação do ódio (já é comum a palavra hate no vocabulário, né?), ampliando o alcance e o impacto de falas odiosas. Alimentadas por algoritmos que priorizam o engajamento a qualquer custo, acabam promovendo divisões ao invés de união. Essa é uma realidade que precisamos urgentemente repensar. Todos querem ser vistos, percebidos, curtidos, comentados e compartilhados. A qualquer custo.

No entanto, há uma luz no fim do túnel. A construção de afetos e empatia pode ser uma forma poderosa de resistir a esse ciclo de ódio. Como já escrevi em outro momento, é necessário criar pontes, dialogar e educar para os direitos humanos. Afinal, não se trata apenas de combater o ódio, mas de promover uma cultura de respeito e inclusão. Somos todos diferentes e isto é o que torna a humanidade tão rica, mas se estas diferenças forem utilizadas para justificar o injustificável, quantas guerras mais teremos? Quantas mortes mais teremos?

E isso nos leva à questão central: dizer o que se quer sem responsabilidade não é liberdade de expressão, é abuso. É um convite ao caos, à repetição de erros que a história já nos mostrou serem desastrosos. Precisamos urgentemente de um pacto social baseado no respeito à dignidade humana. Porque, como mosaicos vivos que somos, cada palavra que dizemos impacta as peças ao nosso redor. E é nossa responsabilidade garantir que esse impacto seja de construção, não de destruição.

Se a liberdade é o norte, que ela seja guiada pela empatia e pelo respeito como afetos, assim como o amor. E que, ao olharmos para o futuro, possamos ver algo novo, transformador — não o mesmo passado que insiste em se repetir. Porque, afinal, somos todos responsáveis pelos mosaicos que ajudamos a construir.

FONTE/CRÉDITOS: Por Dr. Julio Cesar Rodrigues
Comentários:

Envie sua mensagem, estaremos respondendo assim que possível ; )