Quando falamos de Piraí, falamos de um território cuja história é, muitas vezes, contada apenas pela ótica dos “vencedores” aqueles que ergueram poder e riqueza às custas do sofrimento de milhares de pessoas negras escravizadas. A memória oficial costuma destacar nomes, datas, prédios e decretos, mas omite aquilo que sustentou tudo isso: o corpo negro. A força negra. O suor negro. A dor negra.
Nessa estreia da coluna "Na Linha de Frente", quero te convidar a caminhar pelas ruas de 1811 com outro olhar. Não o olhar romântico que descreve um “povoado em expansão”, mas o olhar que pergunta: expansão para quem? Poder para quem? Liberdade para quem?
Piraí, 1811: O começo de uma estrutura de poder, em 1811 o povoado de Piraí contava com cerca de três mil habitantes. Naquele ano, o bispo Dom José Caetano concedeu ao local a condição de Freguesia Curada, passo importante dentro da estrutura administrativa do período colonial e posteriormente do Brasil Imperial.
Em 1817, veio o título de Freguesia Perpétua, mas é em 1837, com a elevação a Vila de Sant’Anna do Pirahy, que os interesses da elite local se tornam mais evidentes. Não foi uma mobilização popular que impulsionou a mudança. Foram os grandes cafeicultores influentes, articulados, alinhados ao poder imperial que reivindicaram maior autonomia, arrecadação e prestígio político. A Lei Provincial nº 96, de 6 de dezembro de 1837, anexou Piraí à comarca de Vassouras e determinou a construção das bases do poder local: Casa de Câmara, Cadeia e Tribunal do Júri.
No Brasil escravista, essas instituições eram menos instrumentos de cidadania e mais mecanismos de controle social e racial.
Quem ocupava esses espaços? Quem construía essas estruturas? Quem era punido por elas? A “boa sociedade” e a máquina da escravidão, o presidente da comissão encarregada de estruturar a nova vila foi o Coronel José Gonçalves de Moraes, futuro Barão do Piraí, figura central na política e economia local. Ele e os demais membros da chamada “boa sociedade” representavam a elite senhorial: homens brancos, livres, proprietários de terras e de grande número de pessoas escravizadas. Eram considerados “cidadãos ativos” podiam votar, ser votados, legislar e exercer poder. Enquanto isso, o povo negro sequestrado da África, violentado e obrigado ao trabalho forçado não tinha sequer o direito fundamental de existir como pessoa livre.
Entre os 27 mega proprietários da região, aqueles que possuíam 100 ou mais pessoas escravizadas, dois pertenciam à própria família do Barão do Piraí. E esses dois senhores detinham mais de mil pessoas escravizadas cada. Mil vidas. Mil histórias silenciadas. Mil futuros roubados para financiar o luxo, o poder e a “respeitabilidade” da elite imperial. Essa é a base estrutural da Piraí oitocentista: a riqueza branca construída sobre o sofrimento negro. Por que tocar nessa ferida? Porque a memória é um campo de disputa. Porque o racismo brasileiro não surgiu do nada ele foi institucionalizado, financiado e protegido por essas estruturas que ainda reverenciamos sem questionar. Porque seguimos repetindo nomes de ruas, bairros e escolas sem nos perguntarmos: Quem pagou o preço desse “progresso”? Quem carregou nas costas a história oficial? E porque, para nós negros, pretos, pardos, descendentes de povos sequestrados a história não é passado.
É sobrevivência, é legado, é resistência...
Na Linha de Frente: o compromisso
Nesta coluna, vamos enfrentar o que o Brasil insiste em esconder. Vamos nomear o que muitos preferem varrer para debaixo do tapete. Vamos reconstruir com verdade e memória a história do nosso Pequeno Gigante Negro.
Se o poder foi construído sobre nós, daqui em diante a narrativa será construída por nós.
Esse é o compromisso desta coluna.
Esse é o meu compromisso.
Esse é o compromisso com você.
Até a próxima edição!
Barão do Piraí ( Negro)
Na Linha de Frente
Fontes
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Arquivo Municipal de Piraí
Pesquisa Instituto Liga Urbana

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